Clubes de futebol se arriscam a perder atletas ao reduzirem unilateralmente os salários

Recentes notícias publicadas pelos principais órgãos de imprensa informaram que clubes como o Santos[1] teria reduzido os salários de seus atletas profissionais sem uma negociação individual, tampouco coletiva, com os atletas. Tal situação teria se repetido em outras agremiações Brasil afora.

No início da pandemia, em meados de março, logo que as competições foram suspensas, os clubes de futebol anteciparam as férias coletivas dos atletas e concederam folga por 20 dias. No retorno, alguns clubes simplesmente suspenderam contratos, enquanto outros negociaram a sua redução.

Todavia, a Medida Provisória 936/2020[2], publicada em 01 de abril, autoriza que o empregador suspenda o contrato de trabalho por 60 dias[3] ou até reduza os salários de seus empregados, mas sempre e obrigatoriamente mediante um acordo individual ou com o sindicato da categoria.

A obrigatoriedade do acordo foi reconhecida inclusive pelo STF (ADI 6363 MC/DF), e sua falta resulta em descumprimento de regra legal e constitucional.

Como já amplamente debatido, o art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal, determina que somente poderá ser reduzido o salário mediante convenção coletiva. No mesmo sentido, o art. 468, da CLT, que impede a alteração do contrato de trabalho em detrimento ao obreiro.

A MP 936/2020 tem como seu principal escopo facilitar a negociação para redução salarial durante o período de calamidade pública, retirando, naquelas hipóteses expressas, a necessidade da presença do Sindicato, permitindo uma negociação individual entre empregado e empregador. Mas nunca foi permitida uma redução salarial sem a expressa anuência do empregado.

Sem o acordo formal, ou seja, por escrito, o atleta sequer poderá buscar o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, conforme art. 5º, da referida MP, deixando claro que o acordo verbal, neste caso, não é considerado válido.

O clube que pagar salários menores que os previstos em contrato, sem uma negociação albergada na MP 936/2020, estará, em verdade, inadimplente com seus atletas, correndo o risco de dar causa a rescisão do contrato, na forma do art. 31, da Lei Geral sobre o Desporto (Lei 9.615/98):

“Lei 9.615/98, Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora [clube] que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.” (grifos e destaques nossos)

Na mesma esteira caminham clubes que simplesmente deixaram de pagar salários de seus jogadores, como recentemente publicado sobre o Corinthians[4].

Novamente, sem um acordo que regule eventual suspensão do contrato, o clube não pode simplesmente deixar de pagar seus atletas, alegando força maior ou outro problema decorrente da pandemia, eis que a legislação em vigor trouxe formas e meios de diminuir o prejuízo e manter a renda e o emprego.

A própria FIFA, em publicação de 07 de abril[5], recomenda para clubes e atletas o esforço para uma negociação para manutenção dos contratos, desde que mantido um mínimo possível de remuneração, sempre de acordo com a legislação de cada país membro.
Neste período de tantas certezas, não é possível afirmar que o Poder Judiciário do Trabalho declarará imediatamente rescindido um contrato de trabalho de atleta nas situações acima retratadas, sem ouvir o clube ou sem considerar a crise causada pelo COVID-19, ainda que sem qualquer acordo que proteja o clube empregador. Mas é indubitável que os clubes, assim agindo, estão assumindo um risco muito alto de perderem vários de seus atletas, além de criarem enorme passivo trabalhista.

O CCLA Advogados dispõe de equipe especializada no atendimento de demandas voltadas ao Direito Desportivo e está à disposição para esclarecer dúvidas referentes a este informativo e a qualquer assunto relacionado à área.

[1] https://globoesporte.globo.com/sp/santos-e-regiao/futebol/times/santos/noticia/santos-reduz-em-ate-70percent-salarios-de-todos-os-funcionarios-que-recebem-mais-de-r-6-mil.ghtml

[2] https://ccla.com.br/post/an%C3%A1lise-das-mps-trabalhistas-e-do-benef%C3%ADcio-emergencial-1

[3] No último dia 28/05 a Câmara dos Deputados prorrogou a vigência da MP 936/2020,com sugestão para a prorrogação da suspensão dos contratos de trabalho por mais 60 dias. Contudo, para que tal mudança entre em vigor precisa ser aprovada também pelo Senado e necessita de um Decreto Presidencial, o que ainda não ocorreu.

[4] https://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/corinthians-chega-a-tres-meses-de-salarios-atrasados-e-corre-risco-de-perder-jogadores-de-graca.ghtml

[5] https://www.fifa.com/who-we-are/news/fifa-guidelines-to-address-legal-consequences-of-covid-19

Este informativo tem por finalidade veicular informações jurídicas relevantes aos nossos clientes, não se constituindo em parecer ou aconselhamento jurídico, e não acarretando qualquer responsabilidade a este escritório. É imprescindível que casos concretos sejam objeto de análise específica.

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Marcio Andraus

Marcio Andraus

Atua no contencioso cível, trabalhista e desportivo (arbitral e justiça desportiva). Formado em 1999, atuou no contencioso judicial em favor de grandes clubes do futebol brasileiro, além de representar renomados atletas. Professor de cursos de pós-graduação em Direito Desportivo e de MBA em Gestão Esportiva.
Marcio Andraus

Marcio Andraus

Atua no contencioso cível, trabalhista e desportivo (arbitral e justiça desportiva). Formado em 1999, atuou no contencioso judicial em favor de grandes clubes do futebol brasileiro, além de representar renomados atletas. Professor de cursos de pós-graduação em Direito Desportivo e de MBA em Gestão Esportiva.

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