Nova Lei do Racismo – Repercussões no Esporte e Entretenimento

Sancionada Lei 14.532/2023, que equipara a injúria racial aos crimes de racismo. A partir da nova lei, além da equiparação do crime de injuria...
Sancionada Lei 14.532/2023, que equipara a injúria racial aos crimes de racismo. A partir da nova lei, além da equiparação do crime de injuria ao crime de racismo e o aumento da pena, daqui em diante, se a conduta ocorrer no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, o agente poderá incorrer na pena de reclusão de dois a cinco anos, podendo o autor ser proibido de frequentar, por três anos, locais destinados a práticas esportivas, artísticas e culturais destinadas ao público, como por exemplo teatros, estádios de futebol e etc. .

Em 11/01/2023 foi sancionada a Lei 14.532, que equipara a injúria racial ao crimes de racismo, aumentando a pena de prisão de (1) um a 3 (três) anos para de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Neste breve artigo, sem pretender esgotar a matéria, nos propomos a interpretar os novos dispositivos legais com a finalidade de esclarecer o alcance das mudanças, bem como seu efetivo impacto nos segmentos do entretenimento e esporte.

CRONOLOGIA

Previsto em nossa Constituição Federal de 1988, a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. Em 1989, o legislador editou a Lei 7.716, chamada de Lei do Racismo, a qual definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.

Nesta primeira Lei, os tipos penais eram praticamente direcionados à recusa ou impedimento de acesso das “pessoas de raça ou cor” a estabelecimentos comerciais, escolas, transporte público e outros. As penas variavam, dependendo do tipo penal, de 1 a 3 ou 2 a 5 anos de reclusão

No ano de 1997, com o advento da Lei 9.459, foi incluída uma qualificadora ao artigo 140 do Código Penal (crime de injúria), criando-se o crime de injúria racial, caracterizado como  a ofensa praticada mediante utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, com pena base de 1 a 3 anos e multa. Em 2013, com a publicação da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso) inseriu-se a referência à pessoa idosa ou com deficiência como integrante do tipo penal.

Esta mesma lei alterou a Lei 7.716/89, “ampliando” o tipo penal e definindo como crime de racismo “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com pena base de 1 a 3 anos de reclusão e multa, com a qualificadora de que, se cometido pelos meios de comunicação, a pena se eleva para 2 a 5 anos de reclusão, além da multa.

Podemos dizer que o direcionamento da conduta é o que diferencia os crimes de injúria racial e de racismo, sendo que ambos passam a fazer parte da mesma Lei com a promulgação da Lei 14.532/2023.

Entende-se pela injúria racial quando a ofensa é direcionada a um indivíduo específico, e pelo crime de racismo quando a ofensa é direcionada contra uma coletividade, ou seja, toda uma raça.

Com a Lei 14.532/2023, houve a consolidação dos tipos penais, remanescendo o artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal apenas para tipificar a injúria praticada mediante elementos referentes à religião ou à condição da pessoa idosa ou com deficiência. Toda a questão racial foi consolidada na nova legislação.

AGRAVAMENTO DA PENA E CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS

Agora, o crime de injúria tal como definido pelo artigo 2-A da Lei 14.532/2023 possui pena base de 2 a 5 anos de reclusão a multa, quando, até então, era apenado com reprimenda base de 1 a 3 anos.

Com a nova pena, não se admite mais a suspensão condicional do processo e passa-se inclusive a ser aplicável, em tese, a prisão preventiva. Embora os tribunais já considerassem o crime imprescritível, tal circunstância passa a estar normatizada. Não se faz também necessária a representação do ofendido, ou seja, a ação penal pode ser instaurada mesmo que a pessoa contra a qual foi dirigida a (em tese) injúria não se sinta ofendida e apresente requerimento para instauração do processo.

O crime de injúria tem pena base mais elevada que o crime de racismo tipificado no artigo 20 (“praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”), que permanece com a pena base de 1 a 2 anos de reclusão, salvo em suas formas qualificadas.

Dentre as formas qualificadas, duas delas tocam diretamente com o setor do entretenimento e esporte, além de uma causa geral de aumento de pena, conforme segue.

REFLEXOS DA LEI NO ENTRETENIMENTO E ESPORTE

No Brasil e no mundo não faltam exemplos de episódios de hostilização de atletas com palavras, cantos, gestos e remessas de objetos sugestivos. Situações semelhantes também já foram noticiadas em shows, casas de teatro e templos religiosos. No ambiente da internet, principalmente com o impulsionamento dos podcasts, a prática é vivenciada quase que diariamente.

Nesse contexto, a conduta praticada valendo-se do humor ou em atividades esportivas, com o desprezo pela cultura, etnia, raça ou cor, de acordo com a nova legislação, serão tratadas com maior rigor, podendo o agente ser penalizado com a pena de prisão e perda de direitos, como já vem sendo aplicado pelos juizados especiais criminais no âmbito desportivo.

Assim, se o crime de racismo for cometido “por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza”, a pena passa a ser de reclusão, de 2 a 5 anos e multa.

Ainda, se o crime for cometido “no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público”, além da elevação da pena, ocorrerá a proibição de frequência do infrator, por 3 anos, de locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.

Por fim, o artigo 20-A da nova legislação determina que quaisquer dos crimes nela previstos terão suas penas aumentadas de 1/3 até a metade, “quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”.

Por outro lado, importante pontuar que, diferente do que se imagina, o novo texto de Lei não proíbe “piadas ofensivas” de forma genérica como sugerido por alguns parlamentares, mas aumenta as penas para piadas consideradas racistas como forma de coibir a prática do racismo recreativo, termo popularizado pelo pesquisador e jurista Adilson Moreira, escritor do livro que conceitua a expressão, definida como parte da dimensão cultural do racismo. Vejamos:

“O conceito de racismo recreativo designa uma política cultural que utiliza o humor para expressar hostilidade em relação a minorias raciais. O humor racista opera como um mecanismo cultural que propaga o racismo, mas que ao mesmo tempo permite que pessoas brancas possam manter uma imagem positiva de si mesmas. Elas conseguem então propagar a ideia de que o racismo não tem relevância social.”

Vale dizer, tanto a injúria racial quanto o racismo já eram tipificados como crime, agora tratadas e tipificadas com maior rigor. As consequências de episódios que se tornaram comuns em estádios serão mais graves.

Vamos rememorar um episódio recente. Ainda no ano de 2022, durante uma partida válida pela Copa Libertadores da América, um torcedor argentino foi detido pela polícia militar de São Paulo após ter imitado um macaco em direção aos torcedores do clube rival. Enquadrado no crime de injúria racial, o torcedor argentino pagou fiança de 3 mil reais, foi liberado no dia seguinte e retornou ao seu país, gerando grande indignação com a rapidez na liberação e a certeza de impunidade.

O desfecho do caso se explica pela razão de que, na época, o argentino foi acusado de injúria racial, e não de racismo. Enquanto o crime de injúria racial permitia fiança, o crime de racismo, além de imprescritível, já era inafiançável. Apesar de ambos serem delitos relacionados à discriminação pela cor da pele, possuíam uma série de disparidades tanto em sua aplicação quanto no seu julgamento.

Por fim, a lei estabelece que para a sua interpretação o juiz deverá considerar como discriminatório qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, que, usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.

O CCLA Advogados dispõe de equipe especializada para oferecer assessoria em qualquer assunto relacionado à área.

Karen Rodrigues, Alécio Ciaralo e Rodrigo Calabria

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Este informativo tem por finalidade veicular informações jurídicas relevantes aos nossos clientes, não se constituindo em parecer ou aconselhamento jurídico, e não acarretando qualquer responsabilidade a este escritório. É imprescindível que casos concretos sejam objeto de análise específica.

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Karen Rodrigues

Advogada formada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie no ano de 2014. Com carreira desenvolvida em escritório de advocacia voltado ao contencioso cível e imobiliário.
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Karen Rodrigues

Advogada formada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie no ano de 2014. Com carreira desenvolvida em escritório de advocacia voltado ao contencioso cível e imobiliário.