A quem cumpre o poder de decisão? Câmara Arbitral X Poder Judiciário

Em decisão monocrática recente, foi proferida decisão pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do AREsp 1.276.872, de relatoria do Ministro OG Fernandes, através de julgamento de um agravo interposto por uma empresa do ramo de energia elétrica[1] onde processualmente decidiu-se pelo conhecimento da matéria objeto do recurso especial que tratava acerca do mérito de Revisão Contratual sobre Convenção de Arbitragem.

Tratava-se em síntese de apelação interposta em face de sentença que julgou extinta a ação ordinária, sem exame do mérito em razão da existência de cláusula compromissória de convenção de arbitragem.

De início, o recurso sustentava a possibilidade ou não da inclusão de cláusula compromissória de arbitragem em contrato de prestação de energia elétrica celebrado entre ente estatal e empresa privada, uma vez que ligada a atividade econômica desenvolvida poderia ocorrer lesão a direito indisponível da Administração.

No cerne dos debates, entretanto, o mérito versava sobre conflito positivo de competência entre juízo arbitral e o órgão jurisdicional estatal, sob a égide de prevalência da decisão prolatada pela câmara arbitral em detrimento do curso processual. A parte recorrente alegou, em suma, que por tratar-se de contrato de adesão, a cláusula compromissória que elegia o rito da câmara arbitral deveria ser afastada, explicitando que não havia concordância expressa neste sentido que afastasse seu amplo direito ao exercício de ação, em respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Neste sentido, temos que a tese empreendida pela empresa de energia e de modo recorrente por outras empresas que tem animo de desconstituir a cláusula compromissória de convenção de arbitragem, com o fito de se firmar competência na Justiça Comum, é recorrente em nossos Tribunais.

Isto porque, como ocorre na grande maioria de franquias empresariais, a título de exemplo, as disposições contratuais não são comumente negociadas com as Franqueadoras, sendo impostas aos promitentes franqueados, com envio ainda em fase negocial de minutas de Contratos de Franquia totalmente finalizados, e sem a opção de negociação de cláusulas, permitindo apenas que a pretensa franqueada tome conhecimento de seus deveres e obrigações, condição para perfazimento da relação negocial e contratual entre às partes.

Neste sentido, e com limites de negociação restritos, as empresas aderem ao contrato de adesão, que possui em 90% dos casos, cláusula compromissória de soluções alternativas de conflitos, como rota de fuga à submissão das questões a apreciação do poder judiciário.

A discussão que versa sobre a validade da cláusula compromissória de instituição de arbitragem em contratos de adesão é antiga nos Tribunais Superiores.
Pergunta que se faz é: ao árbitro é dada preferência em relação ao Poder judiciário, para decidir sobre questões inerentes a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha cláusula compromissória?

A Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) assim dispõe sobre referidas cláusulas inseridas em contratos de adesão:

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Neste sentido, verifica-se que a Lei de Arbitragem impõe requisitos de validade às cláusulas compromissórias, devendo estas serem escritas, negritadas ou previstas em documento anexo, com assinatura ou visto específico para referida cláusula, mas essa previsão legal não retira a sombra sobre a validade do consentimento da eleição de arbitragem, em detrimento da inafastabilidade da jurisdição.

A exemplo, sobre os contratos de franquia, os Tribunais Superiores se posicionam no sentido de que sua natureza – sejam eles consumeristas ou não – são de contratos de adesão propriamente ditos, uma vez que os interessados em se tornar franqueados não têm poder de negociação.

Neste sentido, se o contrato de franquia prever a eleição de Câmara de Arbitragem, como forma obrigatória de solucionar conflitos que digam respeito a dirimir eventuais impasses ou dar interpretação a determinadas normas, dar-se-ia azo a discutir se o consentimento da cláusula compromissória de instituição de arbitragem teve seu consentimento mitigado em razão da natureza de adesão do contrato.

No caso em apreço, o Superior Tribunal de Justiça, entretanto, ainda que em decisão monocrática que será levada a julgamento pela câmara plenária, reafirmou a precedência – não prevalência – do juízo arbitral sobre o Judiciário, nos contratos com cláusula compromissória, conforme previsão do artigo 8º da Lei de Arbitragem (Lei n° 9.307/1996).

Em seu voto monocrático, o Ministro Og Fernandes afirmou que o princípio da competência-competência não pode ser afastado pela “presunção de que não houve concordância expressa de uma das partes”, e pelo simples fato de o contrato ser de adesão”, cabendo ao Poder Judiciário intervir de imediato em uma disputa arbitral, apenas (e tão somente) em situações excepcionais, sendo apenas em caso de ocorrência de uma hipótese muito grave, carinhosamente exemplificada por ele “um compromisso arbitral patológico e portanto, manifestamente ilegal, para que seja possível uma movimentação/intervenção do poder judiciário antes mesmo da prolação da sentença arbitral.

Ao nortear o julgamento que será submetido ao pleno, com a decisão de que a arbitragem tem prioridade para analisar contrato com cláusula compromissória, o Superior Tribunal de Justiça reafirma a essência da natureza de especificidade do modelo arbitral e a necessidade de não interferência do poder estatal nas relações privadas, que preferem os meios alternativos de solução de conflitos à Justiça Comum, para dirimir suas controvérsias.

Palavras Chaves: ARBITRAGEM. CLÁSULA COMPROMISSORIA. CONTRATO DE ADESÃO. MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS. INAFASTABILIDADE DE JURISDIÇÃO.

Referências e consultas:

TRF2-RJ – Processo n° 0016694-02.2005.4.02.5101 – https://www10.trf2.jus.br/portal/

STJ – Agravo em Recurso Especial – AREsp n° 0016694-02.2005.4.02.5101 – 2018/00084050-9 (decisão monocrática). https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio

https://www.conjur.com.br/2021-jan-22/arbitragem-prioridade-analisar-clausula-compromissoria

[1] Empresa de Energia do Brasil Ltda – ENGEBRA.

Este informativo tem por finalidade veicular informações jurídicas relevantes aos nossos clientes, não se constituindo em parecer ou aconselhamento jurídico, e não acarretando qualquer responsabilidade a este escritório. É imprescindível que casos concretos sejam objeto de análise específica.

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Andresa Henriques

Atua nos ramos de Direito Civil, Direito do Trabalho Empresarial e Processo Civil desde o ano de 2006.
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Andresa Henriques

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