Medidas Provisórias, segundo a Constituição Federal[1], são instrumentos com força de lei adotados pelo Presidente da República para casos de relevância e urgência. Tais instrumentos vêm sendo frequentemente utilizados durante a pandemia do COVID-19, diante da evidente necessidade do Governo em conceder à população respostas e mecanismos para minimizar o impacto do distanciamento social.
Assim, na semana passada foi assinada a Medida Provisória nº 984/2020[2], cuja urgência se justificaria pela redução da vigência mínima do CETD (Contrato Especial de Trabalho Desportivo), permitindo assim contratos de apenas um mês até o final do ano de 2020, o que dá maior amplitude nas negociações entre clubes e atletas para um período de incertezas na continuidade dos campeonatos esportivos.
Aproveitando a necessária adequação da norma legislativa, o Executivo enxertou o chamado “jabuti[3]” em referida MP para alterar a forma de negociação dos direitos de transmissão de partidas entre clubes e emissoras de TV, e a possibilidade de veiculação de marcas de empresas que explorem serviços de radiodifusão ou televisão nos uniformes de competições das entidades de prática desportiva.
A MP altera o artigo 42, da Lei 9.615/98 (“Lei Pelé”), que dispõe sobre os direitos de transmissão de partidas, popularmente conhecidos como “direito de arena”, dispondo que tais direitos pertencerão exclusivamente aos clubes que atuem como mandantes nas partidas, garantindo maior independência às entidades, que poderão negociar a transmissão dos jogos com empresa radio difusora e televisiva diferente daquela que mantém contrato com o clube adversário. Explico.
Antes da alteração promovida pela Medida Provisória, as emissoras de TV ou rádio somente poderiam transmitir a partida se tivessem contrato vigente com ambas as equipes participantes do espetáculo, sendo que 5% (cinco por cento) da receita obtida da exploração audiovisual deveria ser repassada ao Sindicato da categoria, que estaria incumbido de distribuir proporcionalmente aos atletas das equipes.
A partir de agora as emissoras estarão autorizadas a transmitir jogos mesmo que tenham contrato vigente com apenas uma das equipes, desde que seja a equipe mandante, e mesmo que o adversário tenha cedido seus direitos a um concorrente. Ao final, 5% (cinco por cento) da receita obtida será distribuída diretamente aos atletas da equipe mandante.
A anuência de ambas as equipes somente será exigida em eventos sem definição do mando de jogo.
Tal alteração pode fazer com que o produto da arrecadação do direito de arena dos grandes clubes seja ainda mais discrepante dos valores arrecadados pelos pequenos e médios clubes, ampliando a diferença econômica entre os extremos, já que as emissoras terão interesse maior em veicular as partidas que deem maior audiência.
A Medida Provisória passa a valer imediatamente após ser editada pelo Presidente. No prazo de 60 dias ela é avaliada pelo Congresso e poderá ser mantida ou barrada, mas produz efeitos durante todo esse período.
A principal dúvida que surgiu após a publicação da Medida diz respeito justamente à sua aplicabilidade imediata. As novas regras atingem contratos vigentes ou serão aplicadas apenas aos contratos firmados após a sua publicação?
Pactuo do entendimento de que as regras da MP somente serão aplicadas aos novos contratos de transmissão, já que os contratos vigentes são regidos pelas regras anteriores, respeitando assim o “ato jurídico perfeito” e garantindo segurança jurídica às entidades que assim contrataram.
Ainda, a MP 984/2020 revogou os parágrafos 5º e 6º, do artigo 27-A, da Lei 9.615/98, que proibiam emissoras de TV e rádio de patrocinar ou veicular suas marcas, bem como a de seus canais e títulos de seus programas nos uniformes de competições das entidades de prática desportiva.
A partir de agora, portanto, emissoras poderão veicular suas marcas nos uniformes das equipes, o que poderá gerar um certo “desconforto”, visto que não necessariamente a emissora que transmite a partida estará estampando sua marca na camisa de uma das equipes participante do espetáculo.
Verifica-se que, dentre as alterações legislativas, salvo melhor juízo, apenas a alteração do prazo mínimo de vigência dos contratos de trabalho teria caráter de urgência para ser editada e aprovada através de Medida Provisória, eis que tal regra prevalecerá até o encerramento do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavirus, previsto para o dia 31 de dezembro de 2020. Os demais assuntos tratados não demandam urgência, ao contrário (jabutis).
Esse entendimento, inclusive, foi externado na emenda apresentada pelo Senador Roberto Rocha (PSDB/MA), que pode ser acessada através do seguinte link: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8123972&ts=1592941639972&disposition=inline
Até o momento da redação deste Informativo, 91 (noventa e uma) emendas ao texto da Medida Provisória haviam sido apresentadas, razão pela qual se conclui que a chance do texto original da MP ser aprovado pelo Congresso Nacional é pequena.
Entretanto, até lá os contratos de transmissão firmados deverão obedecer às novas normas, ficando a dúvida em como se efetivará a viabilidade das transmissões em campeonatos já iniciados, em que parte dos clubes tenham assinado com uma emissora e outra parte ainda não tenha contrato vigente, situação que originou, inclusive, litígio judicial entre o C. R. do Flamengo e a Rede Globo de Televisão referente à transmissão do Campeonato Carioca de 2020.
O CCLA Advogados é especializado em direito desportivo e assessora clubes e atletas na busca de seus Direitos.
[1] Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv984.htm
[3] https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/stf-proibe-contrabando-legislativo-em-medidas-provisorias/