“Se não tivermos direito à liberdade de expressão e debate, estes palcos ficam vazios“. Foi assim que Katherine Maher, ex CEO do Web Summit (maior conferência da Europa em tecnologias, realizada anualmente desde 2009), iniciou o seu discurso em 2023.
A frase possui relevante importância e representatividade no cenário atual do humor brasileiro. A cada ano que passa, aumentam os processos ajuizados pelo Ministério Público ou grupo de pessoas que se sentiu ofendido perante uma piada feita por algum humorista em cima do palco, no âmbito da sua profissão.
No ano de 2023, um especial de comédia do humorista Léo Lins foi retirado do ar por decisão judicial, que determinou ainda, abstenção de piadas com “comentários odiosos contra minorias e grupos vulneráveis”. Veja que, além censurar uma obra artística, o comediante foi alvo de censura-prévia, não podendo falar sobre determinados assuntos. Felizmente, a decisão foi anulada no STF.
O tema possui diversos e intermináveis debates, que sempre levam em consideração a liberdade de expressão e o limite do humor. Entretanto, o que deve ser também observado e principalmente no caso dos humoristas do “stand-up comedy”, é que todas as suas falas e piadas encontram-se em um contexto artístico, sendo protegido de censura, conforme artigo 5º, IX da Constituição Federal: “IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”
A liberdade de expressão nos palcos está ligada à liberdade de expressão artística, que é o direito de criar, produzir e divulgar obras de arte sem censura, sendo inclusive, importante para garantir o pluralismo cultural, que é o reconhecimento e a valorização das diferentes culturas que existem, bem como o combate ao preconceito e às desigualdades socioeconômicas que deve ser um tema central da sociedade.
Um filme, um documentário ou uma peça teatral, por exemplo, possuem a liberdade de expor todo e qualquer tipo de assunto, pois a sociedade já se acostumou e sabe que esses conteúdos são artísticos, sejam eles de ficção ou baseados em fatos reais.
O “stand-up comedy” entra na mesma prateleira que todos os exemplos acima expostos. Não é porque o comediante entra de cara limpa no palco, que o seu show de comédia é menos artístico que quaisquer outro dos citados.
A comédia stand-up e os filmes baseados em fatos reais são duas formas de arte distintas, mas que compartilham a capacidade de explorar determinado fato, seja por meio do humor ou da representação dramática de eventos verídicos. Embora ambas as expressões possam provocar emoções e reflexões, elas utilizam meios e abordagens diferentes para comunicar suas mensagens.
A única diferença é que o filme será interpretado por atores e o outro, pelo próprio humorista. E se os comediantes cedessem seus textos para serem interpretados por atores em um teatro, será que sofreriam o mesmo tipo de retaliação?
Embora o stand-up comedy e o filme pertençam a campos diferentes da arte, ambos têm o poder de provocar reflexão e tocar emocionalmente o público. A comédia usa a verdade como uma ferramenta flexível, distorcendo-a para gerar humor e crítica, enquanto o filme tenta respeitar a verdade histórica e emocional, utilizando a arte cinematográfica para contar uma história que ressoe com o espectador.
Ambos, de formas distintas, ajudam a explorar e compreender a experiência humana, tornando-se expressões artísticas poderosas e legítimas, ainda que com propósitos e formas de abordagem bem diferentes.
Portanto, podemos afirmar que, sim, ambos são arte, mas de maneiras diferentes. O stand-up é uma arte que brinca com a realidade, enquanto o filme baseado em fatos reais busca representá-la de forma dramática e muitas vezes pedagógica.
Fato é que o tema é muito delicado e exige muito cuidado, pois os artistas do “stand-up comedy” estão sendo tolhidos de fazer a sua arte pois não sabem mais qual assunto podem falar. “Se não tivermos direito à liberdade de expressão e debate, estes palcos ficam vazios“, assim começou Katherine Maher, e assim se encerra o presente artigo.
O CCLA Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas referentes a este informativo e a qualquer assunto relacionado a normas e regulamentos esportivos, nacionais e internacionais.
Leonardo Zenkoo Matsumoto – Advogado do CCLA Advogados.