A internet é um espaço público, como uma rua ou uma praça, e, como todo espaço público, está sujeita às leis e regras, e por meio das redes sociais, os usuários se expressam, se manifestam e expõe suas ideias. As mídias sociais funcionam basicamente como um megafone dos usuários. É por meio delas que os conteúdos produzidos atingem um número incontável de pessoas.
Contudo, a liberdade de expressão não é um direito absoluto no ambiente digital. Às plataformas do segmento, foi garantida a liberdade de contratação com o usuário, de modo a permitir que cada empresa crie sua própria política de uso, deixando claro a seus usuários o tipo de conteúdo não autorizado, e quais serão as punições caso ocorram tais violações.
No dia 06 de setembro, como uma prévia de suas comemorações para o dia da Independência, o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 1.068, trazendo alterações substanciais no Marco Civil da Internet, fundamentalmente no que se refere à liberdade de expressão, direito de uso, exercício da cidadania, e, consequentemente, na maneira como as redes sociais devem atuar.
Desde maio deste ano o Governo vinha flertando com a adoção de medidas restritivas no poder de ação das plataformas de redes sociais, especialmente no que se refere à remoção de conteúdo e suspensão de usuários sem a necessidade de determinação judicial.
A inovação se deu sob a justificativa – um tanto quanto contraditória – de garantir a liberdade de expressão dos usuários. O texto limita a atuação das empresas como Facebook, Twitter e YouTube, vedando a remoção de conteúdos que violem suas políticas e termos de uso, sendo autorizado a fazê-lo apenas em casos de conteúdos que apresentem violência ou discursos discriminatórios, uso de drogas ilícitas, incitação ao terrorismo, violação de direitos autorais, e a promoção de atos contra a segurança pública, defesa nacional e segurança do Estado, deixando de mencionar, à sua comodidade, os conteúdos que promovam o discurso antidemocrático ou que veiculem informações falsa – fakenews.
De acordo com a MP, no exercício de moderação dos conteúdos, as empresas de mídias sociais deverão notificar o usuário, prévia ou concomitantemente, à determinação de restrição de conteúdo, informando-lhes as razões da decisão moderadora, bem como prazo, canais de comunicação e procedimentos para o exercício do contraditório, e eventual revisão da determinação. As plataformas teriam um prazo ínfimo de 30 (trinta) dias para ajustar suas operações a tais imposições.
Ainda sobre as inovações contidas, a suspensão de contas dos usuários poderá ocorrer, com justa causa, caso seja constatado que a identidade do usuário foi criada com a finalidade de enganar o público, “ressalvados o direito ao uso de nome social e à pseudônimo e o explícito ânimo humorístico ou paródico”; ou, contas “preponderantemente geridas por qualquer programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas na distribuição de conteúdo”; e, que ofereçam serviços ou produtos que violem direitos de propriedade intelectual.
O momento para tais mudança é oportuno ao Governo, já que, tanto Presidente quanto seus apoiadores tiveram suas contas suspensas pelas plataformas. Ainda tramita no STF, o Inquérito Penal nº 4.781, em que são investigadas a veiculação de fake News e ameaças à democracia, bem como a determinação do Tribunal Superior Eleitoral, que impôs a desmonetização de canais de apoiadores do atual Governo, em função da divulgação de informações falsas sobre o processo eleitoral e das urnas eletrônicas.
Sob todos os ângulos, o texto da Medida Provisória está permeado de nulidades, uma vez que inexiste a urgência exigida pela Medida, sendo claras as intenções políticas por trás do ato, em uma espécie de represália às medidas adotadas pelas plataformas, conforme destacado anteriormente.
A MP ainda implica a restrições ao exercício da cidadania dos usuários e redes sociais, enquanto direito público, bem como os princípios da livre concorrência e livre iniciativa, constitucionalmente garantidos, uma vez que restringida a liberdade de contratação dos provedores junto aos seus consumidores/usuários.
Vale comentar, por fim, que no dia 14/09/21, a Ministra Rosa Weber concedeu liminar para suspender a Medida Provisória, em ação direta de inconstitucionalidade. Em suas razões, a Ministra, com extrema lucidez, afirmou que: “Salta aos olhos a indubitável ausência de urgência nos moldes impostos pela Constituição Federal. É certa a absoluta excepcionalidade do controle jurisdicional dos requisitos constitucionais da relevância e da urgência inscritos no art. 62, caput, da Carta Política, mas estamos diante de hipótese na qual o abuso do poder normativo presidencial está, aparentemente, configurado”.