Introdução
Não é de hoje que a tributação da exploração econômica do direito autoral e de imagem dos artistas, atletas, músicos e compositores tem sido objeto de inúmeros questionamentos. Isso porque grande parte dos Municípios brasileiros passaram a cobrar das Empresas que detêm o direito de exploração econômica destes players do entretenimento e do esporte o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
Na prática, referidos players celebram contratos com Empresas que possuem como principal objeto social a “exploração dos direitos de personalidade; a gestão e o licenciamento de ativos intangíveis”. Estas empresas, por sua vez, celebram contratos de licenciamento dos direitos de uso e exploração comercial da imagem, nome, apelido, caricatura e voz com terceiros (clubes, patrocinadores, promotores de eventos, redes de televisão, etc.).
Ocorre que, ainda que seja notório que o licenciamento de imagem de pessoa natural não seja um serviço e, consequentemente, estaria fora do campo de tributação do ISS, os Municípios insistem em promover cobranças indevidas.
Dos aspectos gerais do ISSQN.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 156[1], reservou a disciplina do ISSQN à edição de Lei Complementar, ao passo que os Municípios, quando da instituição do referido tributo, deverão observar os critérios definidos pelo legislador.
De forma geral, o artigo 156, da CF, delega competência aos Municípios para instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, definidos em lei complementar.
Destacamos que esta determinação tem por finalidade dar uniformidade do sistema tributário nacional e evitar conflitos de competência não somente entre os Municípios, mas também entre os Estados.
Em atendimento às diretrizes constitucionais, foi editada, em 31 de julho de 2003, a Lei Complementar n° 116, a qual regula em âmbito nacional os aspectos gerais a respeito do ISS, assim entendidas as hipóteses de incidência do tributo, alíquotas mínimas e máximas, bem como a definição de quais serviços estarão sujeitos à tributação pelo ISS em sua lista anexa.
O fato jurídico imponível, assim entendido o fato que enseja a tributação pelo imposto em estudo (ISS), foi estabelecido pelo artigo 1°, da Lei Complementar n° 116/2003[2], sendo “a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.”
Portanto, da análise da estrutura legal que envolve o ISSQN, temos fixado o sentido e o alcance da hipótese de incidência da exação, dentre aquelas previstas na lista anexa da Lei Complementar n° 116/2003.
No entanto, ao verificar a lista anexa à LC 116/2003, não se localiza menção ao licenciamento de imagem, já que essa prática consiste em uma obrigação de dar e não de fazer, o que afasta qualquer tentativa de cobrança de cobrança do ISS incidente sobre valores recebidos a esse título, conforme será demonstrado.
A indevida cobrança do ISSQN sobre a licença do direito de uso da imagem.
A imagem é protegida como direito fundamental, conforme previsão contida no artigo 5°, incisos V, X e XXVIII, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988[3].
Sendo assim, temos que a imagem é um dos direitos de personalidade, conforme artigo 11 e seguintes, do Código Civil[4], podendo ser licenciada para exploração por terceiros.
Desta forma, é possível concluir que o licenciamento do direito de uso de imagem, quando celebrado entre o detentor da imagem e terceiros, não configura um serviço de qualquer natureza tributável pelo ISS.
Como dito linhas acima, isso se deve ao fato de o licenciamento do direito de imagem ser uma obrigação de dar, não de fazer. O detentor da imagem, por si ou pela interposta empresa que detém o direito de explorar sua imagem, não presta nenhum tipo de serviço ou obrigação de fazer ao licenciar a sua imagem para a exploração econômica de terceiros.
Não se inserindo no conceito de serviço, por óbvio que deve prevalecer o entendimento de que na licença de uso do direito de imagem não deve incidir o ISSQN.
Importante destacar que não se desconhece que a Lei Complementar n° 116/2003, em seu item 3, estabelece a incidência do imposto sobre “serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres.”
A despeito da vedação do item 3.1 da lista anexa à LC 116/2003, pelo Supremo Tribunal Federal, os demais subitens do item 3 discorrem sobre atividades que não guardam qualquer semelhança com a licença de uso do direito de imagem.
Portanto, para que haja incidência do ISS, além de a prestação ser um efetivo ato de fazer, deve figurar em um dos subitens da lista anexa à LC 116/2003. No caso, a outorga de licença para o uso de imagem de artista, músico ou esportista, não encontra amparo em nenhum dos subitens integrantes do item 3 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.
Sobre o tema, os Tribunais de Justiça brasileiros têm acolhido a tese apresentada pelos contribuintes, para o efeito de rechaçar a cobrança intentada pelos Municípios sobre os valores recebidos a título de licença de uso de imagem.
Inclusive, no julgamento do Recurso de Apelação interposto nos autos do processo n° 1015401-67.2017.8.26.0053, o Relator do caso, E. Desembargador Henrique Harris Júnior, ressaltou o entendimento consolidado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido de reconhecer a não incidência do ISSQN sobre cessão dos direitos de exploração comercial de uso de imagem, voz e apelidos, por não se tratar da efetiva prestação de serviços[5].
Conclusão
Como visto acima, se mostra insustentável eventual cobrança de ISSQN promovida pelos Fiscos Municipais sobre valores recebidos a título de licença de direito de uso de imagem, principalmente por dois argumentos:
(i) o licenciamento de uso de direito de imagem não é uma obrigação de dar, mas, sim, de fazer e;
(ii) inexiste previsão na Lei Complementar n° 116/2003 para incidência do ISSQN sobre valores recebidos a título de licenciamento de direito de uso de imagem.
A equipe de Direito Tributário do CCLA Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas e propor soluções para interromper indevidas cobranças, além de recuperar os valores indevidamente recolhidos nos últimos 05 (cinco) anos.
[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana; II – transmissão “inter vivo”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar (…).
[2] Lei Complementar n° 116/2003 – Art. 1º. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
[3] CF/88. Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte: (…) V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;”
[4] Código Civil – Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
[5] TJSP, 14ª Câmara de direito Público, Apelação n° 1015401-67.2017.8.26.0053, Relator Henrique Harris Junior, julgamento 12/04/2018.