Na última semana (14), foi sancionada a Lei 13.988/20, fruto da conversão da MP 899/19 (MP do Contribuinte Legal), e com isso a extinção do voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O dispositivo foi inserido por emenda durante tramitação da MP no Congresso Nacional e, desde então, gera muita divergência de opinião entre tributaristas e auditores fiscais.
Como se sabe, os julgamentos no CARF são realizados por turmas paritárias, sendo metade dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional e a outra metade por advogados que representam os contribuintes.
Até então, havendo empate no julgamento dos recursos, os processos eram decididos pelo “voto de qualidade”, ou seja, o presidente da turma de julgamento – sempre representante da Fazenda Nacional – proferia o voto que concluiria o julgamento. Com a extinção do voto de qualidade, verificado empate no julgamento, o processo será decidido de forma favorável aos contribuintes.
A nosso ver, atribuir ao Conselheiro Presidente das Turmas ou Câmaras Superiores do CARF peso duplo ao seu voto é ato ilegítimo por ofensa ao devido processo legal, uma vez que contraria a imparcialidade que é esperada de qualquer órgão julgador. Além disso, o julgamento deve se pautar na plena convicção da ocorrência do fato descrito na norma, o que não se verifica quando não há decisão formada pela maioria dos julgadores do órgão administrativo.
Neste ponto, já preconiza o artigo 112 do Código Tributário Nacional, que a lei tributária deve ser interpretada de maneira mais favorável ao contribuinte quando houver dúvidas da existência do fato gerador. Logo, a definição do processo pelo voto de qualidade evidencia a dúvida entre os julgadores quanto à existência do fato, e neste caso deveria ser interpretada de forma mais favorável ao contribuinte para exonera-lo de qualquer exigência.
Por outro lado, há quem defenda que a extinção do voto de qualidade pode enfraquecer o CARF. Defensores da tese apontam que a Lei 13.988/20 seria inconstitucional no tocante ao voto de qualidade, já que essa matéria não constou originalmente no texto da MP 899/19 que, originalmente, cuidou da transação tributária. Seria a chamada emenda Jabuti.
Como dito, a MP cuidou da transação tributária, modalidade de extinção do crédito tributário. A emenda em discussão cuida de decisão administrativa, que também é uma das causas de extinção do crédito tributário. Assim, nos parece que o legislador trabalhou dentro de sua margem de discricionariedade formal e material ao alterar o critério de desempate no âmbito do CARF. Também percebemos que a extinção do voto de qualidade deve aumentar o nível de debate, o que é um ponto extremamente positivo.
É muito importante considerar os reflexos desse novo cenário, pois processos decididos favoravelmente aos contribuintes em caso de empate poderão abrir a possibilidade de discussão judicial da matéria pela Fazenda Nacional, o que até então não é permitido.
Os efeitos dessa medida são imprevisíveis na prática e podemos considerar apenas como primeiro capitulo dessa novela. A considerar que logo após a sanção presidencial, entidade representativa dos interesses dos auditores fiscais encomendou emenda prevendo o fim da paridade e a volta do voto de qualidade no CARF. Tal emenda consta na MP 952/20, que trata do prazo para pagamento de tributos sobre telecomunicações.
Em se tratando de contencioso administrativo tributário no Brasil o debate não acaba aqui. O cenário permite uma profunda reflexão das alternativas para melhorar o sistema como um todo, como por exemplo a profissionalização dos julgadores, recrutados de concurso público, que possuam imparcialidade similar a dos juízes e que não recebam bônus vinculados ao conteúdo das decisões proferidas.