Conforme amplamente noticiado, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional a segunda etapa da reforma tributária, desta vez voltada para o imposto de renda.
O projeto de Lei, caso aprovado, acarretará uma série de mudanças na apuração do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, principalmente para a classe artística. E, como é de se imaginar, o impacto é bastante elevado, para além de desproporcional em comparação com outros setores da economia, incluindo os profissionais liberais (advogados, médicos, engenheiros, etc).
De acordo com a redação atual do PL, empresas que exploram direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz estarão obrigadas à apuração do imposto pelo Lucro Real. Isso significa que atores, influencers, cantores e apresentadores, por exemplo, que atuam no mercado por meio de suas pessoas jurídicas, passariam a ter uma mordida do leão de aproximadamente 44% em suas empresas, já considerando as contribuições sociais que empresas dessa natureza também são obrigadas a recolher. Some-se a esse custo a ainda possível tributação dos dividendos à alíquota de 20%.
Uma mesma natureza de rendimento pode ter carga tributária de 64%, verdadeiro uso indevido do poder de tributar com massivo poder destrutivo dessa importante classe!
A carga tributária atual para esse segmento possui um teto de 19,5% no Lucro Presumido, regime majoritariamente escolhido e recomendado para esse tipo de atividade. Para empresas optantes do Simples Nacional o impacto é ainda mais elevado.
Vale lembrar que o regime do Lucro Real é obrigatório para bancos, seguradoras e para as chamadas grandes empresas, aquelas com faturamento anual superior a 78milhões de reais e o que mais chama atenção é a justificativa questionável utilizada pelo Ministro da Economia:
“A medida visa desestimular a utilização indevida do lucro presumido para alocar rendimentos que deveriam ser tributados pela pessoa física.”
Aos olhos do Ministro, a opção da tributação por meio de pessoa jurídica seria abusiva. Com certeza não levou em consideração que a suposta “utilização indevida” possui previsão legal desde 2005 e já foi validada pelo do STF em dezembro/2020, que fundamentou a regularidade desse tipo de empresa nos preceitos da livre iniciativa e no direito de liberdade econômica.
Em linhas gerais, o Supremo declarou a constitucionalidade do artigo 129 da Lei 11.196/2005, norma que determina que para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, se sujeita somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas. Um dos fundamentos da decisão Exma. Ministra Relatora Cármen Lúcia merece destaque:
“A norma do art. 129 da Lei n. 11.196/2005 harmoniza-se com as diretrizes constitucionais, especialmente com o inc. IV do art. 1º da Constituição da República, pelo qual estabeleceu a liberdade de iniciativa situando-a como fundamento da República Federativa do Brasil. Dessa liberdade econômica emanam a garantia de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e o livre exercício de qualquer atividade econômica, consagrados respectivamente no inc. XIII do art. 5º e no parágrafo único do art. 170 da Constituição da República”
E não podemos esquecer que o atual Governo sancionou em 2019 a Lei 13.874/2019, que instituiu a declaração de direitos de liberdade econômica e estabeleceu garantias de livre mercado, promessa de campanha com slogan de interferência mínima do estado nas relações entre particulares, objetivando a concessão de maior segurança jurídica aos negócios.
A nosso ver, esse ponto do PL reflete nítida retaliação ao setor – majoritariamente em oposição ao atual Governo – e nova estratégia para tornar sem qualquer efeito prático a decisão recente do STF, pois a eventual aprovação dessa medida naturalmente extinguiria as empresas artísticas.
Também é se destacar que mesmo após a decisão do STF ao final 2020, a Receita Federal continua autuando os artistas – principalmente aqueles com vínculo com o maior conglomerado de mídia e comunicação do Brasil – sob a alegação de prática criminosa com exigência de multas de 150%.
A impressão é que o (atual) Governo Federal nitidamente não aceitou a derrota e agora pretende acabar com o jogo.
O CCLA Advogados dispõe de equipe multidisciplinar especializada voltada ao atendimento de clientes inseridos no mercado do entretenimento, e está à disposição para auxiliar de forma preventiva, como no atendimento de fiscalizações e processos administrativos e judiciais.