Em decisão de 29 de agosto, o Tribunal de Apelação de Bruxelas(1) afirma serem ilegais as cláusulas de arbitragem contidas nos estatutos da FIFA, da UEFA e de suas federações-membro.
Por óbvio, esta decisão se estende aos regulamentos de outras modalidades esportivas.
No entendimento do tribunal, tais cláusulas violam o Artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o Artigo 47 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
Consequentemente, qualquer clube ou atleta afetado por uma decisão de uma federação esportiva, em particular da FIFA ou da UEFA, pode rejeitar a jurisdição do TAS-CAS e forçar a federação em questão a levar o caso aos tribunais comuns.
Além disso, o Tribunal de Apelação belga considerou que, uma vez que as federações internacionais confiam em suas federações nacionais para implementar seus regulamentos, a federação internacional pode ser processada perante os tribunais da sede de qualquer federação nacional que participe da referida implementação.
A decisão em questão não é final e foi emitida pela justiça belga, portanto não deve causar maiores mudanças no sistema esportivo mundial, ao menos não por enquanto. Todavia, o tema discutido é de suma importância, na medida em que a sentença desconstitui um dos pilares do esporte: a arbitragem como instância final obrigatória.
Este entendimento não é único em solo europeu; a Espanha conta com alguns pronunciamentos judiciais neste sentido, como nos casos Roberto Heras(2) e Marta Domínguez(3).
A arbitragem – forma alternativa de resolução de disputas – é instituída por meio de cláusula ou compromisso arbitral; nos dois casos, de maneira voluntária pelas partes. A cláusula é sempre pré-arbitragem, inserida no momento da celebração do contrato, e o compromisso se dá após o início do processo, quando do aceite da arbitragem por uma parte em processo instaurado por outra.
Resta saber se o sistema federativo, caracterizado pelo livre associativismo, é suficiente para caracterizar a adesão de seus membros como voluntária e pré-arbitral ou se mesmo diante das previsões regulamentares será necessário o compromisso arbitral em cada processo instaurado.
Na visão do Tribunal de Apelação da Bélgica e dos julgados espanhóis, os regulamentos esportivos não podem alijar a justiça estatal.
Aos olhos da arbitragem, não nos parece democrática a imposição regulamentar de uma corte em detrimento das dezenas de tribunais arbitrais existentes ao redor do mundo, entretanto, ao prevalecer o entendimento belga e espanhol, o sistema esportivo mundial poderá entrar em colapso, visto que os conflitos do esporte seriam julgados por tribunais estatais, localizados em diferentes países, com culturas, costumes e sistemas jurídicos distintos.
A solução pode estar nos tribunais arbitrais nacionais, eleitos pelas federações nacionais e constituídos de acordo com a norma pública do respectivo país. Ainda assim, o tema da eleição da arbitragem por regulamento esportivo deverá ser enfrentado.
De qualquer forma, entendemos que a arbitragem sempre será ambiente mais apropriado para a apreciação dos conflitos esportivos, dada a especialização dos árbitros, em comparação com o conhecimento geral e genérico de um juiz togado. Ainda, o tempo médio de um processo arbitral é muito inferior ao de um processo público, em qualquer país do mundo.
Outra vantagem da arbitragem esportiva é que a execução dos laudos (“enforcement”) conta com o apoio do sistema associativo, que usa de sanções disciplinares a exemplo da suspensão e da perda de pontos para obter o cumprimento da decisão pela parte devedora, forma um tanto mais rápida e eficiente que a execução judicial com base na Convenção de Nova Iorque.
Por fim, a uniformização da jurisprudência trazida pelo TAS-CAS desde a década de 90 e os instrumentos de soft law(4), usuais na arbitragem, têm se mostrado fontes mais adequadas e dinâmicas para um segmento que tem a internacionalização em sua essência, pois promovem, entre outros benefícios, a difusão do conhecimento e a igualdade entre as partes.
O CCLA Advogados é especializado em direito arbitral, notadamente em conflitos esportivos nacionais e internacionais.
1 http://www.iusport.es/resoluciones-judiciales/SENTENCIA-BRUSELAS-SUMISION-TAS-2018-ANONIMIZADA.pdf
2 http://www.iusport.es/resoluciones-judiciales/SENTENCIA-SUPREMO-Roberto-Heras-2017.pdf
3 http://www.iusport.es/resoluciones-judiciales/SENTENCIA-AUD-NACIONAL-190617-MARTA-DGUEZ-DEP-ALTO-NIVEL-2017.PDF
4 Cf. André de Albuquerque Cavalcanti Abbud, Soft law e produção de provas na arbitragem internacional, p. 16: “A expressão soft law é usada há tempos para se referir a gama bastante ampla e variada de atos do direito internacional, Para os presentes fins, quer-se designar apenas o conjunto de atos não obrigatórios como diretrizes, protocolos, guias, standards, práticas, códigos de conduta e recomendações, elaboradas por órgãos não estatais como associações profissionais, câmaras de comércio, instituições arbitrais e organismos supranacionais, destinados a regular questões atinentes ao processo arbitral, se na medida em que as partes e os árbitros queiram”.