No último dia 6 de agosto, foi sancionada a Lei 14.193, que trata da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). O texto original do PL 5516/2019, que deu origem a nova norma, é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com relatoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ).
Basicamente, a Lei 14.193 cria a SAF e faculta a adoção deste novo tipo societário pelos clubes de futebol, constituídos, em sua grande maioria, como associações civis sem fins lucrativos.
A transformação de associações civis em sociedades empresárias, operação societária popularmente chamada de clube-empresa, é permitida pela legislação brasileira há anos e já foi adotada por alguns clubes, como: União São João – SP (2000), Ituano – SP (2000), São Caetano – SP (2004), Palmas – TO (2017), Bragantino – SP (2019), entre outros.
Também é permitida a constituição de um clube de futebol como empresa desde sua fundação, casos de Cuiabá – MT (2001), Votoraty – SP (2005), São Bernardo – SP (2005), Red Bull Brasil – SP (2007), bem como a criação de empresas ao lado das associações, para administrarem o futebol ou suas atividades mercantis, casos de Botafogo – SP, Figueirense – SC e Corinthians Licenciamentos.
Apesar dos exemplos mencionados acima, são poucos os clubes que optaram pela organização empresarial de suas atividades, considerando o universo dos clubes brasileiros, em todas as divisões nacionais e estaduais. A baixa adesão tem como principal fundamento a maior tributação das sociedades empresárias, quando comparadas às isenções aplicáveis às associações.
Como forma de motivar a transformação em massa dos clubes em empresas, portanto, o PL 5516/19 concedia benefício fiscal àqueles que adotassem a SAF como modelo jurídico, nas seguintes condições:
a) Nos primeiros 5 anos, a partir da constituição da SAF, incidiria sobre as receitas a alíquota de 5%, em regime de caixa mensal, isentando-se as receitas com vendas de atletas, que também não são tributáveis nas associações.
b) A partir do 6º ano da constituição da SAF, incidiria a alíquota de 4%, em “regime de caixa mensal”, sobre todas as receitas.
Entretanto, a Tributação Específica do Futebol foi vetada e excluída da Lei 14.193, tornando a nova norma já impopular, pois distante dos objetivos buscados por seu legislador.
A Tributação Específica do Futebol tinha exatamente a função de seduzir investidores a trazer riquezas para o futebol. É verdade que as sociedades anônimas do futebol teriam vantagens fiscais em relação às demais sociedades anônimas, porém o novo regime geraria aumento de arrecadação ao Governo Federal, já que as associações são isentas de praticamente todos os impostos federais.
Além disso, ao contrário do que se possa imaginar, o regime especial não é novidade e já beneficia outros setores, como da construção civil para incorporações, que goza da mesma alíquota de 4%.
Se os vetos não forem derrubados pelo Congresso, o impacto da Lei 14.193 deve ser mínimo em relação às transformações, pois sem o benefício fiscal não haverá incentivo para que seja abandonado o modelo associativo e, em vez da SAF, o clube ainda terá à sua escolha os demais modelos societários existentes na lei brasileira, como a Ltda., a Sociedade Unipessoal e a própria SA.
Ainda há outros importantes avanços trazidos pela Lei, como a Recuperação Judicial e o Regime Centralizado de Execuções para pagamentos das dívidas trabalhistas, porém o texto legal deixa dúvidas se qualquer clube poderá fazer uso destas ferramentas ou somente aqueles que optaram pela constituição da SAF. À primeira vista, pode parecer que o legislador pretendia limitar aos clubes originários de uma transformação, mas a Lei não é clara neste sentido e o movimento dos clubes devedores buscando a centralização de suas execuções ou a recuperação judicial, como forma de equalizar o fluxo de caixa, já se iniciou.
A nosso ver, esta é, por enquanto, a grande oportunidade trazida pela Lei 14.193.
Nos últimos anos, o CCLA Advogados participou do processo legislativo de todos os projetos de lei que trataram do tema do clube-empresa no Brasil, tendo representado os principais atores do futebol nacional nas reuniões e audiências públicas com deputados, senadores e seus assessores.
Em relação ao PL 5516/19, nossa equipe de Direito Tributário foi responsável por auxiliar na construção da Tributação Específica do Futebol.
Nossos advogados são especializados em Direito Desportivo, Societário, Tributário e Trabalhista, tendo realizado uma dezena de operações de constituição e transformação de clubes em empresas ao longo dos últimos 20 anos.
Com essas credenciais, sentimo-nos confortáveis em manifestar nosso apoio ao texto original do PL 5516/19, pois acreditamos que um regime fiscal diferenciado é o principal estímulo à transformação dos clubes em empresa, o que gerará maiores recursos, transparência, governança, profissionalização e, consequentemente, o crescimento do futebol brasileiro.
Enquanto isso não ocorre, entendemos que a Recuperação Judicial e o Regime Centralizado de Execuções já possam ser utilizadas pelos clubes para o pagamento de suas dívidas.