Como serão pagos os débitos dos clubes após a criação da SAF?

A Lei 14.193/2021 traz regramento específico para limitar a responsabilização da SAF por obrigações preexistentes do clube ou pessoa jurídica original, mas é necessário...
Como serão pagos os débitos dos clubes após a criação da SAF

A Lei 14.193/2021, nos Artigos 9 e 10, limita a responsabilidade da SAF por obrigações anteriores à sua constituição, quando ela decorrer de cisão ou drop-down[1]. Por óbvio, na hipótese de transformação de clube ou pessoa jurídica original em SAF, esta assumirá todas as obrigações preexistentes.

O Artigo 9º traz em sua redação a regra matriz para a repartição das obrigações, anteriores ou posteriores, ao determinar que a SAF não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original.

A exclusão de responsabilidade por obrigações posteriores é evidente, vez que, após criação da SAF, haverá duas pessoas jurídicas distintas. Mesmo na hipótese em que o clube se mantiver como acionista e/ou administrador da SAF, também não haveria se falar em responsabilização desta última por obrigações do clube, ainda que posteriores à constituição da nova companhia.

A blindagem da SAF só não será observada quando as obrigações: (i) forem relacionadas ao seu objeto; e (ii) tiverem sido transferidas, pelo clube ou pessoa jurídica original no ato de sua constituição, seja por obrigação legal ou por definição no ato da criação da SAF.

A primeira hipótese se justifica, uma vez que não caberia se falar em responsabilização da SAF por atividades alheias a seu objetivo. Neste ponto, podemos utilizar como exemplo um clube que desenvolva diversas modalidades esportivas. Nesse caso, a intenção do legislador foi justamente afastar qualquer responsabilidade da SAF em relação a obrigações não oriundas do futebol.

Conforme apresentado no primeiro informativo desta série[2], o Artigo 1º, §2º da Lei 14.193/2021 relaciona as atividades que podem ser exploradas pela SAF.

Além de constar no objeto social, a transferência da obrigação deverá ser realizada diretamente entre o clube ou pessoa jurídica original e a SAF, ou por determinação legal, como ocorre em relação a contratos vinculados à atividade de futebol.

Assim, a definição do objeto da SAF e de quais obrigações deverão ser a ela transferidas devem ser cuidadosamente planejadas. Por exemplo, quando um dos objetos da SAF for a exploração de ativos imobiliários, como estádios, ela responderá pelas obrigações dos ativos que lhe forem transferidos.

Em relação às obrigações não transferidas, a SAF somente se tornará responsável por seu pagamento, se descumprir o repasse previsto no Art. 10º da Lei 14193/2021, qual seja:

(i) 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela SAF, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei; e (ii) 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.

Assim, no que tange às obrigações anteriores e não transferidas, a SAF se eximirá de qualquer responsabilidade desde que cumpra com os repasses mencionados acima. Durante o prazo que clube ou pessoa jurídica original tem para quitar seus débitos preexistentes, é vedada qualquer constrição de seu patrimônio ou receitas. Cabe destacar que o repasse previsto no item (i) acima se refere exclusivamente aos casos em que se optar pelo adimplemento de obrigações através do Regime Centralizado de Execuções (RCE), o que será tratado melhor em informativo próprio.

Diante disso, em não sendo adotado o RCE, a obrigação de repasse da SAF ao clube ou pessoa jurídica original será restrita a dividendos, juros sobre capital próprio ou remuneração como acionista. Dos valores repassados a este título, 50% (cinquenta por cento) serão obrigatoriamente destinados ao cumprimento das obrigações.

Este é um ponto muito criticado da Lei 14.193/2021, pois ao limitar o repasse de percentual das receitas correntes à adoção do RCE, caso este não seja feito, a satisfação dos credores com recursos da SAF estaria limitada a eventuais recebimentos do clube ou pessoa jurídica original a título de dividendos, juros sobre capital próprio ou remuneração como acionista. Ocorre que, em muitos casos, a depender da participação acionária mantida na SAF, esses valores poderão ser insuficientes para a satisfação das dívidas.

Por fim, como forma de garantir o cumprimento da obrigação de destinação de receitas pela SAF e que estas sejam utilizadas no cumprimento das obrigações preexistentes pelo clube ou pessoa jurídica original, a Lei 14.193/2021 estabelece a possibilidade de responsabilização dos administradores da SAF, da pessoa jurídica original, e dos dirigentes do clube.

Importante frisar que a responsabilização de dirigentes, nos termos do Artigo 11 da Lei 14.193/2021, não afasta a regra geral de responsabilização dos dirigentes esportivos, estabelecida no Artigo 18-A da Lei 9.615/1998, na hipótese de prática de atos ilícitos ou de gestão irregular e temerária das entidades de prática desportiva, independentemente da forma jurídica adotada para a sua criação.

Ao analisarmos o texto legal, fica nítida a intenção de se limitar a responsabilidade por obrigações anteriores à criação da SAF, na tentativa de viabilizar o funcionamento da nova entidade de prática esportiva, sem o risco de constrições ou penhoras em seu patrimônio. Por outro lado, o legislador procurou, também, garantir, ao clube ou pessoa jurídica original, receitas capazes de satisfazerem suas obrigações para com credores.

Entretanto, certa confusão no texto legal traz insegurança jurídica no que se refere aos limites da responsabilização da SAF. Diante disso, se faz necessária a adoção de cautela no planejamento da SAF, para se mitigar eventuais riscos.

O CCLA Advogados está à disposição para sanar qualquer dúvida relativamente à SAF e demais temas relacionados à Lei 14.193/2021.


[1] Uma operação de transferência de ativos, no plano vertical, neles incluídos bens tangíveis e intangíveis, utilizando-se do mecanismo de aumento de capital na sociedade receptora e consequente redução de capital na sociedade cedente. Passivos não poderiam estar incluídos, pois eles não apresentam condições de sua utilização para subscrição de quotas ou ações da sociedade receptora, presente uma vidente inadequação para tal efeito. (VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc; BARROS, Zanon de Paula. A recepção do drop down no direito brasileiro. Revista de direito mercantil-industrial, econômico e financeiro, São Paulo: Malheiros, v.41, n.125, p. 42, jan./mar.2002).

[2] https://ccla.com.br/desportivo/questoes-introdutorias-da-lei-14193-21/

Este informativo tem por finalidade veicular informações jurídicas relevantes aos nossos clientes, não se constituindo em parecer ou aconselhamento jurídico, e não acarretando qualquer responsabilidade a este escritório. É imprescindível que casos concretos sejam objeto de análise específica.

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Raphael Barbieri

É advogado com mais de 8 anos de experiência prestando consultoria jurídica nos segmentos do esporte e entretenimento, especialmente, em direito contratual e arbitragem. Atualmente é coordenador da área de Direito Desportivo do CCLA Advogados.
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Raphael Barbieri

É advogado com mais de 8 anos de experiência prestando consultoria jurídica nos segmentos do esporte e entretenimento, especialmente, em direito contratual e arbitragem. Atualmente é coordenador da área de Direito Desportivo do CCLA Advogados.