Nas últimas semanas, foi destaque no meio esportivo o Projeto de Lei nº 2.125 de 2020, de autoria do Deputado Arthur Oliveira Maia.
Seu objetivo é apresentar medidas que auxiliem os empregadores esportivos a combaterem os efeitos deletérios decorrentes da crise da Covid-19, como a suspensão do pagamento das parcelas do PROFUT[1] (Art. 1º); a inclusão do não pagamento de IR, INSS, FGTS no PROFUT (Art. 1º, §4º); a redução do limite mínimo da cláusula compensatória para 50%, com a possibilidade do seu parcelamento (Art. 6º) e a suspensão do artigo 31 da Lei Pelé, que trata da rescisão indireta do contrato de trabalho em razão do atraso dos salários por 3 meses (Art. 4º).
Todas as medidas, caso aprovadas, terão vigência adstrita ao período de calamidade pública, com exceção da redução do limite mínimo da cláusula compensatória desportiva, para a qual se propõe a alteração permanente do texto da Lei.
Este informativo, portanto, visa justificar e defender a inclusão da redução definitiva do limite mínimo da cláusula compensatória em conjunto com as demais medidas temporárias trazidas pelo PL 2125.
A cláusula compensatória desportiva surgiu na legislação nacional em 2011, para estancar a profusão de decisões contraditórias sobre a cláusula penal, criada em 1998, que, por sua vez, substituíra o antigo instituto do “passe”[2], previsto na Lei 6354/76.
Em tempos de “passe”, ao atleta só era permitido se transferir a outro clube quando seu “passe” fosse comprado. As cláusulas restritivas, como o “passe” brasileiro, eram muito comuns desde o início do futebol profissional e perduraram até o fim da década de 90, tendo sido extintas em todo o mundo com o advento da Sentença Bosman[3].
No Brasil, o “passe” foi revogado pela Lei 9615/98 (Lei Pelé), que concedeu ainda 3 anos aos clubes para se adaptarem.
Com isso, entrou em vigor o instituto da cláusula penal, cuja indenização correspondia a 100 vezes a remuneração anual do atleta e era aplicado na hipótese de ruptura do contrato de trabalho por motivo de sua transferência a outro clube.
Ocorre que essa multa, substituta do “passe”, passou a ser aplicada, também, em favor dos atletas, nas hipóteses de rescisões indiretas dos contratos, quase sempre provocadas pelo inadimplemento salarial.
Assim, naquele período, muitas decisões eram favoráveis à aplicação bilateral da cláusula penal – em benefício de atletas e clubes – e outras tantas pregavam a aplicação somente em favor dos clubes, sendo reservada ao atleta a multa prevista no artigo 479 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cujo valor corresponde a 50% do saldo remanescente do contrato.
Para solucionar tal conflito jurisprudencial, portanto, o legislador brasileiro implementou, em 2011, os institutos da cláusula indenizatória e da cláusula compensatória. O primeiro, devido somente aos clubes, é limitado a 2000 vezes o salário mensal do jogador; o segundo, devido aos atletas, tem limite mínimo de 100% do salário remanescente no contrato e limite máximo de 400 vezes o salário mensal pactuado.
O texto do PL sugere que o limite mínimo da cláusula compensatória seja reduzido a 50% do salário remanescente no contrato rescindido, mesmo valor previsto na CLT e aplicável a todas as demais categorias profissionais.
Cabe aqui uma primeira constatação, o PL quer reduzir apenas o limite mínimo da cláusula devida ao atleta. O limite máximo permaneceria o mesmo da Lei original – 400 vezes o salário mensal – e continuaria sendo livremente negociado pelos atletas com seus clubes, no momento da contratação.
Mesmo em relação à redução do limite mínimo, as alegações de injustiça, perda de direito ou desproporcionalidade não se sustentam, como mostraremos abaixo. Assim, a redução deve ser aprovada pelas casas legislativas brasileiras, seja pelo advento do PL 2125, de 2020, sejam em próxima oportunidade de revisão da lei desportiva. Vejamos:
· Art. 479 – o valor da cláusula compensatória desportiva devida ao atleta é o dobro da multa devida a qualquer outro empregado brasileiro contratado por prazo determinado. Além disso, a multa brasileira é a maior do mundo e dever ser paga à vista pelo empregador.
· Bis in idem – além da cláusula compensatória, em caso de rescisão antecipada do contrato de trabalho, o clube deve pagar a multa do FGTS, equivalente a 40% dos valores depositados na conta do atleta, e o aviso prévio indenizado. Sendo assim, o clube paga ao jogador 3 multas diferentes no mesmo ato de rescisão.
· Seguro desemprego e novo salário – outro aspecto importante e que deve ser considerado para a redução da cláusula compensatória é que o atleta demitido pode acessar o seguro desemprego, enquanto estiver desempregado, cujo valor é relevante para a grande maioria dos atletas brasileiros. Outrossim, a cláusula compensatória deveria, ainda, ser reduzida na medida de eventual novo salário percebido pelo jogador do próximo clube, tal qual determina o Regulamento Sobre o Status e Transferência de Jogadores da FIFA.
· Atletas não pagam multa ao clube – mas talvez o aspecto principal seja o fato de que os atletas não pagam multa aos clubes, por isso é incabível a alegação de desequilíbrio entre as multas. A multa pertencente ao atleta, cláusula compensatória, é paga a ele pelo clube em caso de rescisão antecipada e injustificada de seu contrato de trabalho, porém, a multa pertencente ao clube, não é devida pelo atleta em caso de rescisão antecipada e injustificada do contrato de trabalho, nos termos da Lei. Essa multa somente é devida em caso de sua transferência e, neste caso, ela é paga por seu novo clube. Aliás, a transferência é um ato bilateral que tanto beneficia o clube antigo quanto o jogador transferido, que passa a ganhar novo salário, prêmios, luvas etc.
· Estímulo à circulação de jogadores – do ponto de vista do mercado, a redução e parcelamento da cláusula compensatória irá beneficiar indiretamente os próprios atletas, visto que isso deverá estimular o mercado e aumentar a circulação de jogadores entre clubes. Hoje, um clube segura um atleta em seu banco de reservas, como terceira opção, simplesmente porque não tem condições de rescindir seu contrato e de pagar, à vista, o valor total dos salários devidos. O jogador, assim, é obrigado a permanecer eternamente na reserva e perde a chance de se transferir para clubes em que teria espaço entre os titulares.
Por tudo isso, a redução da cláusula compensatória desportiva é medida emergencial e salutar ao futebol brasileiro. Tal redução não causa nenhuma desproporcionalidade, pois atletas não pagam multas a clubes e, ainda, o valor menor e a possibilidade de pagamento parcelado beneficiariam o mercado do futebol e, indiretamente, os atletas afastados ou sem espaço no elenco, que passam suas carreiras no banco de reservas.
A redução do limite mínimo não tiraria dos atletas o poder nem o direito de negociarem valor maior, pois o limite máximo não seria alterado e equivale a 400 vezes o valor do salário mensal livremente pactuado entre as partes.
Por fim, a redução do limite mínimo da cláusula compensatória desportiva não causaria impacto algum na esmagadora maioria dos contratos de trabalho do futebol brasileiro, que são celebrados por prazo curto, equivalente à duração das competições, e que por esse motivo são cumpridos até o fim.
Essa modificação legal também não afeta as grandes estrelas, cujos contratos somente são encerrados por motivo de uma transferência onerosa em que todos se beneficiam.
A falta de orientação e de abordagem do tema de maneira completa e fundamentada afastam os atletas e seus representantes da verdade. Mais eficazes do que a manutenção do limite mínimo da cláusula compensatória seriam medidas que estimulassem os clubes a pagarem salários e verbas rescisórias no prazo legal.
O CCLA Advogados é especializado na assessoria de clubes, agentes e atletas e se ocupa diariamente com a orientação e atualização de seus clientes quanto aos esportes e suas implicações legais.
Cristiano Caús – Sócio fundador do CCLA Advogados.
[1] Programa de modernização da gestão e de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro instituído pela Lei 13.155/2015, que possibilitou o parcelamento de tributos federais.
[2] Passe: Lei 6354/76 – Art. 11. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes.
[3] Sentença Bosman: Jean-Marc Bosman foi um futebolista belga que jogou pelo RFC Liège. No fim da temporada de 1989-1990, o contrato entre o RFC Liège e Bosman cessa porque ele recusa a redução salarial de 75% que os dirigentes do clube propunham no novo contrato. É colocado na lista dos jogadores transferíveis com uma cláusula de indenização de 11.743.000 francos belgas (cerca de 4,8 milhões de euros). No mês seguinte, J.-M. Bosman chegou a acordo com o clube francês USL Dunkerque. Liège e Dunkerque concordaram com a transferência do jogador para a temporada mais uma opção de compra, mas não aceita a cláusula de indenização proposta pelo clube belga, rescinde o contrato do jogador e ele torna-se livre de qualquer contrato.
Bosman entrou com uma ação contra o Liége, a Federação Belga de Futebol e a UEFA, porque eles alegaram que as regras de transferência da Federação e da UEFA-FIFA tinham impedido sua transferência para o Dunkerque.
Com base nos artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma, de 25 de março de 1957, este proíbe as associações ou federações nacionais e internacionais de esporte de incluírem em seus respectivos regulamentos disposições que limitem o acesso de jogadores profissionais estrangeiros que receberam cidadania da União Europeia. Vai além, proíbe os clubes de futebol de exigir e receber qualquer pagamento pela contratação de um dos seus jogadores por um novo clube, quando faltavam menos de 6 meses para o final contrato do jogador.
Em 15 de dezembro de 1995, o Tribunal de Justiça da União Europeia, situado em Luxemburgo, dá razão a Bosman. Devem ser abolidas as restrições sobre a utilização e transferências de jogadores comunitários.