Em sessão de julgamento ocorrida no último dia 17/04, o Plenário do STF revogou liminar anteriormente concedida pelo Min. Lewandowski e indeferiu a ADI 6363/2020, intentada pelo Partido Rede Sustentabilidade contra dispositivos da Medida Provisória 936/20, que autoriza a suspensão do contrato e redução da carga horária e salários de trabalhadores por acordo individual.
Editada em 1º de abril, a MP nº 936/20 é conhecida popularmente por implementar o Benefício Emergencial de Prevenção do Emprego e da Renda em casos de redução proporcional da jornada de trabalho ou suspensão temporária do Contrato de Trabalho.
O intuito do Governo ao editar referida Medida foi de preservar o emprego e a renda, garantindo a continuidade das atividades laborais e empresariais, além de buscar reduzir o impacto social decorrente do estado de calamidade pública.
Conforme explanado em informativo específico[1] a redução da jornada de trabalho dos empregados poderá ocorrer por até 90 (noventa) dias, desde que o valor do salário-hora de trabalho se mantenha, em respeito à garantia Constitucional da irredutibilidade salarial.
A Medida, que autoriza reduções proporcionais de jornada de 25%, 50% e 70% e possibilitam a suspensão dos contratos por até 60 (sessenta) dias, prevê a possibilidade das negociações serem realizadas individualmente entre empregado e empregador, sem a participação do Sindicato da categoria, o que gerou uma série de questionamentos e discussões quanto a violações à Constituição Federal.
A previsão de negociações individuais fez com que o Partido Rede Sustentabilidade ajuizasse Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6363/2020) para suspender, liminarmente, a aplicabilidade dos artigos da MP que autorizam a redução e a suspensão por acordo individual escrito entre empregador e empregado (artigo 11, §4º; artigo 12; artigo 7º, inciso II; artigo 8º, §1º e §3º, inciso II; artigo 9º, §1º, inciso I), e ao final, requerer a declaração de inconstitucionalidade de tais dispositivos.
No dia 06 de abril p.p., o Ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADI 6363/2020, concedeu liminar parcial em favor do Partido Rede, nos seguintes termos:
“(…) Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho […] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes. Solicitem-se informações à Presidência da República. Requisitem-se a manifestação do Advogado-Geral da União e o parecer do Procurador-Geral da Republica.”
Em face da decisão liminar, o Advogado Geral da União interpôs recurso (Embargos de Declaração), onde foram apontadas supostas contradições e omissões na Decisão do Ministro Ricardo Lewandowski, com destaque para a aplicabilidade/validade do acordo individual entabulado entre empregado e empregador antes da apreciação do Sindicato.
Apesar do recurso ter sido rejeitado pelo Ministro no dia 13 de abril de 2020, a fundamentação de sua Decisão esclareceu que, em seu entendimento, os efeitos dos acordos individuais teriam validade imediata, inclusive durante o prazo de 10 dias previstos para comunicação do Sindicato; o acordo individual somente perderia a sua eficácia mediante negociação coletiva posterior, ou ainda, caso o Sindicato da categoria não se manifestasse no prazo legal.
Entretanto, o tramite regular do processo levou a questão à análise do Plenário do STF, que decidiu, no dia 17 de abril, por maioria de votos, revogar a Decisão anteriormente proferida pelo Ministro Relator e indeferir a medida cautelar pleiteada pelo Partido Rede Sustentabilidade, para dispensar o aval dos Sindicatos em acordos trabalhistas firmados durante a pandemia do coronavirus; na oportunidade, foram vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber, além do Min. Relator Ricardo Lewandowski.
A Decisão do STF, cujo Acórdão ainda não foi publicado, permite a redução proporcional do salario e da jornada de trabalho mediante negociação individual, nas hipóteses previstas na própria Medida Provisória, a qual, vale ressaltar, estabelece a concessão de benefício emergencial como forma de suplementação salarial.
Além de prezarem, em seus votos, pela manutenção dos empregos, os Ministros que votaram a favor do texto da MP, dentre eles o Min. Alexandre de Moraes, destacaram que o aval dos Sindicatos deve ser relativizado durante o período de calamidade pública, a fim de se evitar que empregados que já estejam recebendo o benefício complementar do Estado tenham que devolver tais valores recebidos durante dois ou três meses – considerando, nesta hipótese, que o Sindicato da categoria não homologaria o acordo individual anteriormente firmado.
O Ministro Luis Roberto Barroso, por sua vez, sopesou, de um lado, o direito ao trabalho e às garantias de proteção ao emprego, e de outro, a redução salarial, concluindo que a demissão em massa seria muito mais prejudicial do que a redução proporcional da jornada de trabalho.
Ressalva importante fez o Ministro Luiz Fux, que destacou a diminuição de autonomia dos Sindicatos após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista): “Se o sindicato hoje pela reforma trabalhista não interfere no mais, que é a rescisão do contrato de trabalho, como pode ser obrigatório sindicato interferir entre acordo entre trabalhadores e empregados? […]”
Já os Ministros que votaram pela inconstitucionalidade dos dispositivos da MP (vencidos), ressaltaram que os acordos individuais ferem a igualdade, estimulam o conflito social e a judicialização, desprotegem os mais vulneráveis e ferem a Constituição Federal, em especial os artigos que garantem a participação do Sindicato nas negociações e a irredutibilidade salarial.
Em entrevista concedida à Associação dos Advogados de São Paulo no último dia 23[2], a Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Min. Maria Cristina Peduzzi, referendou o entendimento do STF, explicando que, de fato, não há violação ao princípio da irredutibilidade salarial se o salário-hora for preservado:
“Minha leitura é de que o STF (Supremo Tribunal Federal), ao não referendar a liminar, afirmou a viabilidade e a constitucionalidade da medida provisória. Eu endosso e nem poderia fazer em sentido contrário. Mas já pensava dessa forma. O salário já é pactuado em jornada de 8 horas por dia e 44 horas semanais. Se houver redução do trabalho, com proporcional redução do salário, preservado o salário-hora, não há o que se falar em alteração contratual”
Com este entendimento, negociações individuais entre empregadores e empregados realizadas durante a calamidade pública, conforme MP 936/20, voltadas à redução da jornada de trabalho ou à suspensão do contrato, não serão submetidas ao crivo dos Sindicatos da categoria, tendo plena eficácia durante o estado de calamidade.
Não se sabe se os Tribunais manterão tal entendimento após o fim deste período excepcional. Contudo, é notório que a discussão quanto a relativização dos poderes e da representatividade dos sindicatos está em pauta.
O CCLA Advogados é especializado em direito trabalhista, e assessora empresários e empregadores na obtenção dos benefícios instituídos pelo Governo.
[1] https://ccla.com.br/post/an%C3%A1lise-das-mps-trabalhistas-e-do-benef%C3%ADcio-emergencial-1
[2] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/04/23/para-tst-reducao-de-jornada-e-salario-preservado-salario-hora-e-valida.htm