PL 504/SP – Inconstitucionalidade, retrocesso e ofensa aos direitos LGBTQIA+

Deverá ser votado na Assembleia Legislativa de São Paulo, provavelmente na data de hoje, o PL 504/2020, que tem sido objeto de diversas manifestações de repúdio feitas por entidades associativas, agências de publicidade e grandes empresas anunciantes.

De sofrível redação, o projeto estabelece que “é vedado em todo o território do Estado de São Paulo, a publicidade, por intermédio de qualquer veículo de comunicação e mídia que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionado a crianças”.

O primeiro ponto, de caráter formal, é a notória inconstitucionalidade do projeto por vício de iniciativa. Nos termos do que muito claramente estabelece o artigo 22 da Constituição Federal, é de competência privativa da União legislar sobre propaganda comercial.

Existem diversos precedentes no Supremo Tribunal Federal que reforçam esta tese, como, por exemplo, o julgamento da ADIN 2.815/SC, que declarou a inconstitucionalidade de lei estadual que vedava, em anúncios comerciais, fotos de natureza erótica ou pornográfica. Na ocasião, considerou o colegiado que, em regra, esta temática (anúncios comerciais) estaria submetida à competência privativa da União.

Isto posto, vamos ao cerne da questão. Caso superado o vício de iniciativa, seria constitucional o texto apresentado?

A questão é tormentosa e suscita dúvidas. Parece haver unanimidade quanto ao cuidado que se deve tomar para expor crianças a conteúdo de cunho sexual, mas a proposta vai além: quer afastar questões sobre diversidade sexual, ponto.

O que de fato existe, e precisa ser tratado, é o fenômeno da erotização infantil precoce. Caso que causou grande repercussão foi o de uma marca de uniformes chilena que fez propaganda de seus produtos com crianças e adolescentes em poses provocativas. Quanto a isso, há de se concordar com a necessidade de proteção à criança, mas simplesmente fingir que a diversidade sexual não existe, e tentar “jogá-la para debaixo do tapete” é autoritário e covarde.

Outro ponto do texto, que fala de “alusão a preferências sexuais” pode impedir, a depender de como for regulamentado ou interpretado, que homossexuais (por exemplo) figurem em propagandas afirmando ou expondo tal condição.

Diante dessa situação, entidades da sociedade civil, empresas, personalidades das classes artística e política, além de diversos cidadãos nas redes sociais, manifestaram publicamente seu repúdio contra referido projeto de lei.

A Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) pontua que “a publicidade reflete a sociedade em que está inserida, e a vedação proposta pelo PL caracteriza-se por censura de conteúdo, abrindo um precedente perigosíssimo para a liberdade de expressão e aos direitos de minorias[1]”; e, nesse mesmo sentido, completa Rica Benozzati, apresentador do Queer Eye Brasil, ao afirmar que “necessitamos que toda a diversidade seja representada em todos os aspectos de nossa cultura”.

Esses são apenas dois exemplos das diversas manifestações que se fazem extremamente necessárias neste período obscuro da política brasileira, pois, sim, estamos de volta à censura, e o projeto fere, frontalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, pois trata a comunidade LGBTQIA+ como uma mancha em sofá novo: esconda-os, por favor.

O CCLA Advogados possui expertise na orientação de anunciantes, agências e artistas em todas as questões legais envolvidas no mercado publicitário.

[1] Disponível em: abap.com.br

Este informativo tem por finalidade veicular informações jurídicas relevantes aos nossos clientes, não se constituindo em parecer ou aconselhamento jurídico, e não acarretando qualquer responsabilidade a este escritório. É imprescindível que casos concretos sejam objeto de análise específica.

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Rodrigo Calabria

Atua nos segmentos de contratos empresariais, propriedade intelectual, franquias, tributação e operações societárias desde 2002.
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