Como já falamos em informativo anterior, o legislador optou pela criação de um novo tipo societário: a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), regulamentado pelos dispositivos da Lei 14.193/2021 e com aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976).
O artigo 2ª prevê, de forma expressa e taxativa, que a SAF poderá ser constituída:
- pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol;
- pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol;
- pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.
Na transformação, como o próprio nome já diz, o “clube”, seja ele associação ou sociedade empresária, se transforma em SAF. Na prática, o CNPJ permanece o mesmo, preservando na mesma organização todos ativos, passivos, direitos e deveres, contudo, sob nova roupagem, novo tipo jurídico. Os até então associados/sócios passam a ser acionistas da SAF.
Se o clube estiver formatado como associação civil, forma mais vista no futebol nacional, o instrumento de transformação deverá ser arquivado no Registro Civil e na Junta Comercial competentes, observadas as diretrizes previstas na Instrução Normativa DREI 81, de 10/06/2020. Apesar de não haver regulamentação expressa nesse sentido, entendemos que os associados presentes na assembleia de transformação decidirão sobre a formação do capital social da SAF.
Por outro lado, caso o clube já esteja formatado como sociedade empresária, seja limitada ou sociedade anônima, basta levar o ato de transformação em SAF à registro na Junta Comercial competente.
Por outro lado, na hipótese de cisão, o clube continuará desempenhando suas atividades sociais e outras modalidades esportivas através da associação ou sociedade empresária, conforme o caso, e transferirá à SAF todos os direitos e deveres vinculados à atividade do futebol.
Abaixo, trazemos algumas condições que deverão ser observadas na cisão:
- Todos os direitos e deveres vinculados à atividade do futebol deverão obrigatoriamente ser transferidos à SAF, o que inclui direitos de participação em competições profissionais e os contratos com atletas;
- Clube e SAF deverão contratar, na data de constituição desta, a utilização e o pagamento de remuneração decorrente da exploração pela SAF de direitos de propriedade intelectual de titularidade do clube;
- Se as instalações desportivas, como estádio, arena e centro de treinamento, não forem transferidas para a SAF, o clube e a SAF deverão celebrar, na data de constituição desta, contrato no qual se estabelecerão as condições para utilização das instalações;
- O clube ou pessoa jurídica original não poderá participar, direta ou indiretamente, de competições profissionais do futebol, sendo a participação prerrogativa da SAF por ele constituída; e
- A SAF emitirá obrigatoriamente ações ordinárias da classe A para subscrição exclusivamente pelo clube ou pessoa jurídica original que a constituiu.
Entendemos ter havido uma impropriedade jurídica na condição mencionada no item V, acima, que prevê que, feita a cisão, o clube passará a ser detentor de ações ordinárias classe A da SAF. Isto pois em operações de cisão, não é a empresa cindida que passa a deter participação na nova empresa, mas sim os seus sócios. A consequência deveria ser esta:
Deixando de lado o equívoco acima mencionado, ao obrigar que o clube original detenha ações ordinárias classe A da SAF, foram-lhe assegurados alguns direitos importantíssimos. Independentemente da participação societária detida pelo clube na SAF, dependerá da concordância dele a alteração da denominação; a modificação dos signos identificativos da equipe de futebol, tais como símbolo, brasão, marca, alcunha, hino e cores; e mudança de sede para outro Município; além de qualquer outra matéria que for prevista no estatuto social da SAF.
Além das matérias acima, enquanto o clube detiver pelo menos 10% do capital social votante da SAF, o voto favorável do clube será condição necessária para a SAF deliberar sobre: alienação, oneração, cessão, conferência, doação ou disposição de qualquer bem imobiliário ou de direito de propriedade intelectual conferido pelo clube para formação do capital social da SAF; qualquer ato de reorganização societária ou empresarial, como fusão, cisão, incorporação de ações, incorporação de outra sociedade ou trespasse; dissolução, liquidação e extinção; e participação em competição desportiva sobre a qual dispõe o art. 20 da Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998).
Por fim, conforme previsto no inciso III, do artigo 2º, da Lei, a SAF pode ser constituída de forma originária, ou seja, pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.
Entretanto, apesar de o artigo 2º da Lei trazer de modo taxativo as formas de constituição da SAF, estas não são as únicas alternativas, como pode parecer numa rápida leitura. Um pouco mais adiante, no artigo 3º, está previsto que “O clube ou pessoa jurídica original poderá integralizar a sua parcela ao capital social na Sociedade Anônima do Futebol por meio da transferência à companhia de seus ativos, tais como, mas não exclusivamente, nome, marca, dísticos, símbolos, propriedades, patrimônio, ativos imobilizados e mobilizados, inclusive registros, licenças, direitos desportivos sobre atletas e sua repercussão econômica.”
Esta alternativa, tratada na Lei de maneira um tanto desconexa das demais, permite mecanismos bastante interessantes, dentre os quais a participação direta do clube ou pessoa jurídica original no quadro de acionista da SAF. Contudo, este tópico merece maior profundidade e será tratado em informativo próprio.
Para finalizar, diante da criação de um novo tipo societário (SAF), é fundamental que o DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração edite Instrução Normativa para regular os procedimentos de registro relacionados e uniformizar os entendimentos das Juntas Comerciais. Há minuta Instrução Normativa disponível em fase de consulta pública, cuja finalização e conclusão ainda são aguardadas.